O cabelo crespo transcende a esfera estética e é um tema importante quando o assunto é a construção da autoestima e identidade da mulher negra. E, para além da beleza, o cabelo afro também foi e continua sendo uma ferramenta política de luta.
Durante muito tempo, diversas práticas contribuíram para a desvalorização do negro e suas características, como o cabelo, traços e sua cultura, enquanto havia uma hipervalorização da estética branca eurocêntrica.
História de cabelo afro
A história do cabelo afro pode ser confundida com a história de resistência que envolve toda a simbologia da utilização do cabelo natural. Mas historicamente, o cabelo afro, que chamamos de crespo, tem uma explicação bem simples: a adaptação climática.
A textura dos cabelos crespos, em formato de ziguezague ou Z, foi se desenvolvendo nos africanos como uma forma de adaptação para protegerem seu couro cabeludo, como um chapéu natural.
De maneira geral, o cabelo crespo possui uma camada de ar entre a cabeça e o ambiente, esses centímetros são o espaço de refrigeração. Em toda a história da África é possível observar que os cabelos crespos também estavam diretamente relacionados à posição social, religião, identidade étnica, riqueza e origem dos indivíduos.
No Brasil, o cabelo crespo é uma herança dos africanos, que tem muita interferência da miscigenação. Aqui, ainda, como forma de opressão e racismo, os cabelos crespos também foram motivo de preconceito e desvalorização, como tudo relacionado à estética africana.
Contra essa corrente, alguns movimentos negros surgiram na luta pelos direitos da pessoa negra, aliados à valorização dos seus traços como uma bandeira de resistência.
Símbolo de luta
Nos anos 60, o cabelo afro foi um dos principais símbolos de grupos que lutavam pelos direitos civis nos Estados Unidos, que sofriam fortemente com a segregação racial – e um dos grupos mais famosos foram os Panteras Negras.
Os Panteras Negras tinham como pauta a aceitação da beleza negra – e o cabelo era um elemento indispensável nesse contexto. As mulheres negras foram protagonistas no movimento e ganharam as ruas com seus cabelos crespos evidenciados em expressivos black powers, mostrando que a luta por direitos iguais incluía usar o cabelo como elas quisessem.
Mais que simplesmente uma valorização da estética do cabelo afro, o grupo incentivava que os negros parassem de fazer procedimentos estéticos que minimizassem os seus traços, como alisar o cabelo, e ainda criaram o lema “Black is Beatiful”, para reforçar esse posicionamento.
Empoderamento negro
A história do cabelo afro surge com uma série de marcos: apesar da difusão dos movimentos dos anos 1960 e 1970 serem mais conhecidos, em 1930 imperou-se um discurso jamaicano que falava sobre a estética – o Movimento Rastafári, que utilizou o cabelo como uma espécie de conexão entre o corpo e o espírito.
Mesmo que esses discursos positivos pareçam distantes, há muitos reflexos nos dias de hoje e, apesar de tanto tempo, o cabelo afro natural ainda encontra discriminação. Por isso, existem grupos com iniciativas que valorizam a beleza do cabelo crespíssimo e, consequentemente, da beleza negra.
A história do cabelo afro no Brasil também ganha expressão a partir dos anos 1970, momento em que a cultura capilar de afirmação será entendida como um dado positivo da experiência racial: a estética vai se impor contra a “obrigatoriedade” do cabelo curto para os homens e os tratamentos de alisamento para as mulheres.
World Afro Day
Em 2016, no Estado do Alabama, nos EUA, uma lei foi aprovada que permitia a recusa na contratação de pessoas que usassem dreadlocks. Essa lei, além de violar os Direitos Civis, é uma iniciativa totalmente pautada em estereótipos racistas e no preconceito com cabelos afro.
Esse evento motivou a criação do World Afro Day (Dia Mundial do Afro), em Londres, que acontece todo dia 15 de setembro, para celebrar a beleza do cabelo crespo e promover educação sobre o tema, focada na infância e juventude.
O foco desse dia é na educação – saber da história, entender os aspectos culturais e até espirituais do cabelo afro ajudam a compreender a importância do combate a discriminação.
Marcha do Orgulho Crespo
A Marcha do Orgulho Crespo é um movimento independente criado em São Paulo, em 2015, que busca incentivar a livre expressão do cabelo natural, a representatividade e o empoderamento negro.
Agora, a Marcha, todo dia 26 de julho, celebra o Dia do Orgulho Crespo no Estado de São Paulo, por meio da Lei 16.682/2018 e reafirma o compromisso de valorizar a estética negra como ativismo e símbolo de resistência.
Cabelo afro como afirmação e empoderamento feminino
É impossível não considerar todo esse contexto quando pensamos na história da mulher do cabelo afro: as mulheres negras são peças fundamentais por seu recorrente enfrentamento de preconceitos que envolvem tanto o racismo quanto o sexismo.
No Brasil, muitas são as histórias de mulheres negras que, ainda reféns de imposições e procedimentos estéticos, passam a valorizar o que lhes é natural: optar por uma transição capilar ou manter o cabelo natural é uma forma poderosa de lutar contra os estereótipos do cabelo crespo.
Para aquelas que querem apostar em um visual carregado de história e alto teor político, o black power é mais que um corte de cabelo, é uma escolha de vida. Com uma história que começa nos anos 1920, esse é um cabelo que rompe com os padrões.
Existem vários tipos de black power, mas esses três abaixo são os mais populares entre as escolhas:
- Mini black power – esse é para quem gosta de volume, inclusive, as pontas repicadas servem justamente para isso;
- Degradê arredondado – neste corte as pontas ficam desconectadas e o formato é mais arredondado, uma estrutura perfeita para quem gosta de bastante volume e
- Com franja – os cabelos crespos também podem usar e abusar da franja, com o black power o corte pode ser tanto lateral quanto central, mas sempre acompanhando o formato da cabeça.
Mais que estilo, o cabelo afro carrega uma história de luta e continua sendo um símbolo importante na história negra. É hora de valorizar ainda mais seus fios crespos!